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Imperialismo intelectual e o monopólio do conhecimento

Por Maíra Orso*

No artigo “Intellectual imperialism: Definition, traits, and problems” o sociólogo Syed Hussein Alatas defende que, além dos aspectos políticos, econômicos e sociais do imperialismo dentro do processo histórico, há também a necessidade de considerar a existência do imperialismo intelectual. Neste sentido, o imperialismo resulta da dominação de um povo por outro em seu mundo de pensamento, um efeito que geralmente é possibilitado pelo imperialismo direto ou pelas formas de dominação indiretas decorrentes dele.

O autor elenca seis características principais do imperialismo: (1) exploração; (2) tutela sobre o outro; (3) conformidade; (4) papel secundário do povo dominado; (5) racionalização intelectual – tentativa de explicar o imperialismo como uma etapa necessária do progresso humano – e (6) fazer crer que o país subjugado é muitas vezes cercado por talentos inferiores. Neste contexto político e histórico da palavra imperialismo, considera-se, portanto, que esta prática é a subjugação de um povo por outro em benefício do dominante.

Alatas discute cada uma das seis características traçando um paralelo entre o imperialismo político-econômico e o imperialismo intelectual, focando sua análise nas formas de subjugação sobre o sudeste asiático – e elencando essa realidade com as demais colônias existentes no processo histórico. No primeiro traço, percebe-se a exploração do conhecimento, quando, por exemplo, dados sobre determinados tópicos de estudo são coletados na região explorada e processados em outra região e, posteriormente, vendidos no país de origem novamente. Em geral, as pessoas da região explorada são utilizadas como informantes para a coleta do material intelectual bruto e depois o material é publicado em outro país sem qualquer reconhecimento.

No segundo traço (tutela), o autor descreve que, no passado, regiões subdesenvolvidas, incluindo Malásia e Cingapura, deveriam ser dependentes de tudo no exterior, criando uma ideia de dependência por meio da tutela. Desta forma, se alguém precisasse estudar ou se desenvolver economicamente, deveria consumir material do ocidente, ou então ir para universidades americanas ou europeias para atingir um grau superior. Quando feito um paralelo com o imperialismo intelectual, o autor observa que a narrativa agora é de que o país subdesenvolvido não possui o know-how intelectual necessário para o próprio desenvolvimento. Daí a necessidade de uma forma de tutela indireta.

A terceira característica mencionada é a conformidade. Outrora, o poder dominante esperava conformidade no comportamento do povo conquistado. Intelectualmente, a exploração da conformidade é demonstrada em teorias e metodologias acadêmicas. O sociólogo expõe, portanto, que os dominantes presumiam que os métodos e análise acadêmicos do exterior fossem empregados pelos colonizados sem questionamento, bem como fossem pesquisados tópicos de interesses para pessoas no exterior. A quarta característica é o papel secundário desempenhado pela comunidade nas colônias.

No contexto do imperialismo intelectual, Alatas desenvolve o argumento de que alguns cientistas do exterior propagaram a ideia de que pesquisadores das áreas subdesenvolvidas não são adequados para receber papel de destaque em periódicos, conferências e congressos internacionais ou para criação de inovações teóricas no campo da ciência. Recebendo, desta forma, somente papéis secundários.

O quinto traço abordado é a racionalização da missão civilizadora. Neste ponto, há a ideia de que a dominação é necessária para o progresso local. Do ponto de vista acadêmico, é bastante comentada “a necessidade de desenvolver as ciências em sociedades subdesenvolvidas”. Entretanto, o conhecimento é monopolizado pelo imperialismo intelectual, desde o domínio dos assuntos científicos gerais até o conhecimento sobre a fauna e flora local. Sobre o sexto traço, Alatas anuncia que é o mais difícil de discutir, que é o poder de convencer de que a civilização colonizada possui talentos inferiores. Quando olhamos para a pesquisa científica, o autor esboça que há um grupo estreito de estudiosos da Europa ou América que migram para uma área subdesenvolvida para ficar e fazer pesquisa, estruturando sua carreira. Ainda, há uma predominância de talentos intelectuais que não são considerados os mais avançados em seu próprio país de origem, bem como não há a preocupação dos povos do exterior em descobrir os pensamentos dos pensadores asiáticos ou outros não ocidentais.

Uma consideração importante a fazer é que Alatas deixa claro que ao expor as definições sobre o imperialismo e suas consequências não está sugerindo que se deva fechar as portas para o conhecimento genuíno de qualquer parte do mundo. O que o autor propõe, porém, é que seja assimilado o máximo possível de todas as fontes de conhecimento, mantendo a independência e individualidade, sem virar as costas para a própria herança intelectual. É necessário haver um equilíbrio entre usufruir do exterior tudo o que for necessário para o progresso, sem abrir mão da formação cultural de origem. Como exemplo deste efeito de desconsiderar as especificidades locais, Alatas chama atenção para o processo de imitação. Os estudiosos asiáticos e africanos acabam, segundo o autor, imitando o estilo de escrita e a escolha dos temas de países americanos e europeus ao invés de usar o próprio conhecimento historiográfico para selecionar novas metodologias, concepções teóricas e temas relevantes para a região. Essa tendência de imitação de um modelo acadêmico considerado “certo” gera um tom imperioso do conhecimento para as nações ocidentais.

Nesta discussão, Alatas traz inúmeros exemplos de locais, pensadores e obras que contribuíram com a alienação intelectual efetuada pelo imperialismo. A continuação do imperialismo, apesar do desmantelamento das dominações política e econômica sobre as colônias que conseguiram se emancipar, também é abordada. Esse tópico é discutido como uma tentativa de dar continuidade a um controle que já não é mais íntegro. Diante disso, é importante mencionar o que o autor denomina como nova tendência imperialista no ocidente pós Segunda Guerra Mundial, que “opera dentro de um cenário pluralista”.

Sobre esta estrutura de pensamento do imperialismo intelectual, são elencados os seguintes fundamentos: (1) o mundo não-ocidental tem um grau limitado de competência e criatividade; (2) precisa das mãos orientadoras do ocidente para desenvolver a capacidade limitada; (3) é receptivo à compaixão do ocidente como alguém disposto a aceitar o conselho de um veterano; (4) não deve ser deixado sozinho para experimentar coisas desconhecidas ou estranhas; (5) o que quer que tenha alcançado no passado foi incompleto e seriamente defeituoso; (6) os padrões do mundo não ocidental não podem ser aplicados para medir o ocidente.

Alatas desenvolve seu raciocínio a fim de levantar a necessidade da emancipação intelectual diante dos problemas abordados. Esses problemas, grosso modo, são o domínio da mente, das estruturas de pensamento e controle da informação e técnicas científicas. É indispensável que haja um movimento combativo para refutar generalizações errôneas sobre a região, bem como interpretações, problematização, conceituações, metodologias e domínio inadequado de dados e compreensão do contexto sociocultural histórico das sociedades subdesenvolvidas. Ainda, o pesquisador frisa a importância relocalizar a atenção de certas questões que são significativamente relevantes para as civilizações asiáticas e africanas, mas que outrora foram ignoradas. Desta forma, sugere que será possível construir uma independência intelectual dessas regiões e uma nova configuração criativa das ciências sociais na direção de uma tradição autônoma e emancipada.

Referências:

Alatas, S. F. (2000). Intellectual imperialism: Definition, traits, and problems. Asian Journal of Social Science, 28(1), 23–45.

* Maíra Orso é doutoranda em Comunicação na Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Comunicação pela mesma universidade e graduada em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Bolsista de pesquisa Capes. E-mail: maira.m.orso@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4620441074773043.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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