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O que torna a pesquisa em comunicação interessante?

Naiza Comel*

No artigo “Against dullness: on what it means to be interesting in communication research”, Manuel Goyanes (2018) aborda um tema muito relevante para acadêmicos de todos os níveis, ao trazer reflexões sobre o próprio desenvolvimento de pesquisas. Mais especificamente, a pergunta apresentada é “O que torna a pesquisa em comunicação interessante?”

Para respondê-la, Goyanes realiza uma pesquisa com 80 integrantes de conselhos editoriais de 16 publicações, selecionadas por seu impacto na área. O autor lembra que as opiniões, experiências e expectativas destes profissionais ajudam a entender a influência dos trabalhos e o próprio sistema de publicação.

O levantamento de dados teve duas etapas: questionários e entrevistas. Os questionários buscaram indicações de artigos considerados interessantes (nos últimos 90 anos e publicados em qualquer revista acadêmica) e três palavras-chave descrevendo o porquê do interesse nestes estudos.

Após análise temática, estas palavras-chaves permitiram ao autor estabelecer cinco categorias com as razões de interesse e o índice de identificação: (1) Contra-intuitivo (53%), (2) Fundacional (49%), Nova abordagem (47%), Qualidade e exemplaridade (33%), Perspicaz e prático (23%).

Razões de interesse e as categorias

O desenvolvimento das categorias por Goyanes, entende-se, é um dos grandes avanços do estudo, visto que simplifica a visualização dos aspectos de interesse, facilitando a compreensão e, consequentemente, as reflexões sobre os nossos trabalhos. Desta forma, apresenta-se de forma sucinta (no texto original, este debate é ampliado; recomenda-se fortemente a leitura do artigo completo).

  • Contra-intuitivo: trabalhos que desafiam teorias estabelecidas; fornecem descobertas surpreendentes, desfazem expectativas e suposições tidas como garantidas.
  • Fundacional: estudos clássicos que abrem novos caminhos ou pesquisas; fornecem os princípios de uma área de pesquisa; oferecem as primeiras evidências empíricas de um fenômeno; fornecem uma contribuição teórica significativa para a disciplina; pioneiro e amplamente utilizado. 
  • Nova abordagem: pesquisas em que há a aplicação de uma teoria estabelecida (do campo da comunicação ou outro) em novas condições que fornecem novas maneiras de entender fenômenos (geralmente digitais); integra múltiplas perspectivas; reexaminam uma teoria clássica de uma maneira nova e diferente.
  • Qualidade e exemplaridade: representa a excelência da pesquisa empírica em suas diferentes formas: metodologia forte e robusta; revisão pontual da literatura; amostra adequada; novas propostas metodológicas; comparações internacionais.
  • Perspicaz e prático: Simplesmente escrito e convincente; fornece boas descrições; tem casos ricos; oferece descrição clara dos achados; aborda claramente as implicações práticas dos resultados.

A diversidade de interesses

Ainda que o pesquisador tenha conseguido esse panorama importante para buscar compreender as razões do interesse em determinadas pesquisas, o levantamento permitiu também verificar uma grande diversidade quanto às preferências dos pesquisadores, já que, de um total de 145 artigos indicados, apenas 6 (4,6%) apareceram duas ou mais vezes.

Este dado foi reforçado na segunda etapa da pesquisa, que compreendeu entrevistas com alguns membros dos conselhos. Um exemplo significativo dessa espécie de “questão de gosto”: o mesmo trabalho foi considerado fundacional por um entrevistado e exemplo negativo por outro.

As entrevistas levaram a outros debates, como a visão que se estabelece a partir das próprias linhas de pesquisa (houve pesquisadores que indicaram também seus próprios estudos como relevantes), à dinâmica de produção  e circulação (supreendentemente, alguns entrevistados afirmaram não acompanhar as publicações da área) e as relações pesquisas quantitativas/qualitativas (muitos pesquisadores que utilizam métodos qualitativos preferiram não participar da pesquisa, por entenderem que não realizam estudos empíricos).

Validade e pressões

É importante registrar que Goyanes (2018) deixa claro que ser interessante não pode substituir a falta de validade. Nas palavras do pesquisador, o desafio é “estabelecer um equilíbrio saudável entre o rigor metodológico/padronização da escrita e a criatividade e o interesse da pesquisa” (GOYANES, 2018, p. 3).

O autor também reconhece uma limitação do estudo: a de abordar de forma superficial as pressões para produção acadêmica, que têm grande impacto no desenvolvimento de pesquisas mais interessantes.

Por fim, o trabalho aqui comentado tem o mérito não apenas de sistematizar as possibilidades, mas, principalmente, de gerar reflexões para os pesquisadores da área. Goyanes (2018), defende-se, faz de seu próprio trabalho um exemplo de pesquisa interessante em comunicação.

Referência

Goyanes, M. (2020). Against dullness: on what it means to be interesting in communication research. Information, communication & society, 23(2), 198-215.

* Doutoranda e mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Bolsista Capes. Integra o Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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