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Revisitando Comparing Media Systems: novas óticas sobre o trabalho de Hallin e Mancini

Por Júlia Frank de Moura*

No meu primeiro texto para o Ponte (Os sistemas de mídia para McCargo e Voltmer: um olhar sobre dois capítulos de Comparing Media Systems Beyond the Western World), comento sobre a importância dos estudos dos sistemas de mídia e sobre Comparing Media Systems, uma das principais obras da fundamentação teórica desses estudos. Agora, para este segundo texto, comentarei sobre uma revisita à obra de Hallin e Mancini a partir de dois pontos de vista: o de Pippa Norris, com o texto “Comparative Political Communications: Common Frameworks or Babelian Confusion?”; e o dos próprios autores (Daniel Hallin e Paolo Mancini) com o texto “Ten Years after comparing media systems: what have we learned?”.

Pippa Norris é professora de política comparada na John F. Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard. Suas pesquisas envolvem opinião pública, eleições, instituições políticas e cultura política em diversos países. Paolo Mancini é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Perugia, na Itália, e Daniel C. Hallin é professor de Comunicação na Universidade da Califórnia (University of California), em San Diego. Paolo Mancini e Daniel Hallin publicaram, juntos,  “Comparing Media Systems: three models of media and politics”,em 2004, e, como organizadores, “Comparing media systems beyond the Western world”.

Em “Comparative Political Communications: Common Frameworks or Babelian Confusion?”, Pippa Norris comenta sobre o crescimento de estudos na área de Sistemas de Mídia e comunicações políticas comparadas, mas destaca que a área ainda continua enraizada em certos estudos e modelos e, por isso, não teria atingido a “idade adulta”. Segundo a autora, a maior parte das pesquisas ainda envolve estudos de caso nacionais, vagamente integrados em torno de alguns subtítulos organizacionais comuns, destacando também que a maioria das pesquisas da comunicação política é conduzida dentro do contexto dos EUA ou utiliza o país como comparação. A autora propõe, então, esclarecer o significado de estudos comparados na comunicação política e rever o estado da arte sobre as tentativas de classificação dos sistemas de mídia. Norris assinala que, no sentido mais amplo, todas as análises normativas e empíricas da comunicação política são comparativas se as compreendermos como formas de contrastar diferentes unidades, como canais de mídia, gêneros de programas, diferentes públicos, entre outros.

Apesar de reconhecer a importância de “Comparing Media Systems”, a autora tece críticas à obra de Hallin e Mancini. Norris demonstra que, entre as tentativas de melhorar o sistema proposto por Siebert, Peterson e Schramm, uma das mais ambiciosas foi “Comparing Media Systems”; no entanto, a estrutura de Hallin e Mancini sofre de várias deficiências importantes que precisam ser resolvidas antes de podermos concluir que esta fornece uma tipologia conceitual apropriada. Noções minimalistas concentram a atenção em apenas alguns elementos da comunicação política, mas podem excluir certos aspectos importantes do fenômeno em estudo. Por outro lado, noções maximalistas fornecem uma definição mais rica e abrangente do fenômeno, mas, ao mesmo tempo, certos aspectos podem ser difíceis de operacionalizar. Norris acredita que o sistema proposto por Hallin e Mancini sofre desses dois problemas. A autora identifica como a lacuna mais preocupante a falta de discussão sobre o papel das novas tecnologias da comunicação, as quais não são parte da classificação. Já é de conhecimento geral que há diferenças, mesmo dentro de sociedades prós-industriais, na disseminação e uso das novas tecnologias da informação, como uso dos computadores, internet, celulares e redes sociais. Contudo, nenhuma dessas diferenças aparece mencionada na obra de Hallin e Mancini, dando a impressão de que o jornalismo está congelado em meados do século XX. Segundo Norris, essa exclusão deveria, ao menos, ter sido justificada. Norris conclui também que na pesquisa pouco se fala sobre liberdade de expressão e liberdade de imprensa.

O artigo de Hallin e Mancini revisa alguns trabalho e pesquisas, publicados depois de “Comparing Media Systems”, que optam por operacionalizar ou discutir conceitos, revisar ou utilizar os métodos propostos pelos autores.  A análise foca em trabalhos que englobam as 18 nações estudadas na obra e em pesquisas que testaram o método proposto por eles, mas deixa de lado outras publicações da área que dizem respeito a outros países ou se referem a outras partes do trabalho de Hallin e Mancini, preterindo a estrutura de análise proposta por eles.

Segundos os autores, as pesquisas citam “Comparing Media Systems” por diferentes razões, as quais podem ser divididas em 4 categorias: as que desenvolvem a teoria; seleção de casos (identificar uma pesquisa como pertencente a uma das 3 categorias que os autores sugerem); operacionalização de variáveis ​​específicas ou dimensões usadas em “Comparing Media Systems”; e pesquisas que testam os padrões propostos por eles. Uma pesquisa que se destaca entre as demais é a realizada por Brüggemann e colegas, que se baseia em uma pesquisa feita em toda a Europa para desenvolver medidas empíricas e operacionalizar as quatro dimensões propostas por Hallin e Mancini. Apesar disso, Hallin e Mancini também fazem algumas críticas e observações sobre o trabalho, discordando, por exemplo, das medidas que Brüggemann e colegas usaram para mensurar o papel do Estado, entre outros pontos.

Hallin e Mancini também respondem a algumas críticas feitas por Pippa Norris, como o fato de Norris ter duvidado que suas variáveis pudessem ser aplicadas e medidas em outros trabalhos. Os autores usam como prova as pesquisas que coletaram após 10 anos da publicação do livro.

Pippa Norris critica importantes pontos em “Comparing Media Systems” e, dessa forma, alerta todos os pesquisadores sobre pontos cruciais nos quais é preciso prestar atenção para o desenvolvimento dos próximos trabalhos. Não se pode mais deixar as mídias digitais de lado. No Brasil, por exemplo, as redes sociais foram parte significativa da construção de imagem e da campanha de Jair Bolsonaro e têm, por isso, importância política na definição das eleições e do cenário político brasileiro. Como afirma Dos Santos Junior (2020, p. 21): “[a] habilidade em explorar essas ferramentas nos últimos anos foi fundamental para construir a imagem de Bolsonaro sem depender exclusivamente da imprensa de massa”.

Quanto ao artigo de Hallin e Mancini, “Ten years after comparing media systems: What have we learned?”, trata-se de uma importante adição à pesquisa dos autores, para que se consiga medir a importância dos frameworks e modelos presentes em “Comparing Media Systems”. Os autores conseguem analisar um número grande de trabalhos que utilizaram sua pesquisa como base e, até mesmo, responder a algumas questões com as quais não concordam, ou que podem ter gerado dúvidas, como o caso de nações que mudam de um tipo de modelo de Sistema de Mídia para outro (Portugal, por exemplo), respondendo e analisando também algumas críticas de outros pesquisadores, como as citadas aqui no texto (as de Pippa Norris). Os autores comentam sobre as mídias online, uma lacuna que havia sido deixada por “Comparing Media Systems”.

Um exemplo de estudo que pôde emergir no Brasil a partir de concepções dos sistemas de mídia é a pesquisa de Marcelo Alves dos Santos Junior, que estuda mudanças na maneira de os brasileiros se informarem dentro do sistema de mídia brasileiro. No artigo “Plataformização da comunicação política: governança algorítmica da visibilidade entre 2013 e 2018”, o autor afere se há algum tipo de modificação na visibilidade da imprensa brasileira no Facebook e conclui que ocorre um “desarranjo da visibilidade”, fenômeno que explica a queda dos compartilhamentos de notícias de veículos de imprensa tradicionais e um aumento de circulação de notícias provenientes de outras fontes, como autores políticos e criadores digitais.

É preciso entender e estudar a fundo o conceito de Media Systems para que pesquisas como a de Marcelo Alves dos Santos Junior surjam. Por meio dessa pesquisa, é possível esclarecer algumas questões e compreender mudanças na maneira de os brasileiros buscarem informações políticas. O autor enfatiza que a plataformização da web, discutida em seu artigo, produz efeitos sobre os sistemas midiáticos e interfere nas estruturas nacionais, em lógicas e em práticas (DOS SANTOS JUNIOR, 2020). Esse é só um exemplo de como os estudos de sistemas de mídia podem acrescentar dentro da comunicação, e como deveriam ser mais contemplados pelos pesquisadores.

REFERÊNCIAS PRINCIPAIS

HALLIN, Daniel; MANCINI, Paolo. Comparing media systems beyond the Western world. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.

HALLIN, Daniel; MANCINI, Paolo. Comparing Media Systems: three models of media and politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

HALLIN, Daniel; MANCINI, Paolo. Ten years after comparing media systems: What have we learned? Political Communication, v. 34, n. 2, p. 155-171, 2017.

NORRIS, Pippa. Comparative Political Communications: Common Frameworks or Babelian Confusion?, Government and Opposition, v. 44, n. 3, p. 321-340, 2009.

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

DOS SANTOS JUNIOR, Marcelo Alves. Plataformização da comunicação política: governança algorítmica da visibilidade entre 2013 e 2018. E-Compós. 2020.

NORRIS, Pippa. Digital divide: Civic engagement, information poverty, and the Internet worldwide. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.

NORRIS, Pippa; INGLEHART, Ronald. Cultural Backlash: Trump, Brexit, and Authoritarian Populism. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.

NORRIS, Pippa; INGLEHART, Ronald. Sacred and secular: Religion and politics worldwide. Cambridge: Cambridge University Press, 2011.

* Júlia Frank de Moura é doutoranda em comunicação na UFPR (Universidade Federal do Paraná), mestra em comunicação pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) e formada em Publicidade e Propaganda pela Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste). E-mail: juliafdmoura@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9578039776855384.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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