skip to Main Content

Redes sociais, teorias de conspiração e a confiança nas instituições políticas

Joana Zuqui*

A pandemia de COVID-19 afetou profundamente o cotidiano de pessoas de todo o planeta e, com isso, evidenciou muitos problemas antes silenciosos. Assim como um vírus detectado inicialmente em um lugar espalhou-se pelo mundo, algumas coisas que outrora podiam ser atribuídas a locais específicos foram disseminadas globalmente. Nas redes sociais – um refúgio onde a vida social podia ser praticada em tempos de isolamento – cidadãos de diferentes nações conectam-se para compartilhar suas experiências, consumir entretenimento e discutir tais produtos culturais, aprender algo, e expor suas ideias e pensamentos sobre algo que aprenderam ou descobriram. O último exemplo pode ser constatado em um fenômeno existente na sociedade antes mesmo do advento da internet, mas fortalecido pela existência desta: a criação e proliferação de teorias de conspiração.

A Encyclopaedia Britannica define uma teoria de conspiração como a tentativa de explicar um determinado caso ou acontecimento (principalmente um evento trágico ou perigoso) como resultante das ações de um grupo pequeno e poderoso. Para tanto, aqueles que acreditam em dada teoria rejeitam os esclarecimentos oficiais e, surpreendentemente, a narrativa mais aceita e conhecida para explicar tal caso pode ser vista por estas pessoas como uma prova da veracidade da teoria de conspiração. Adicionalmente, a Encyclopaedia Britannica pontua que tais teorias usualmente ganham força e se disseminam com mais rapidez e alcance em tempos difíceis – por exemplo, durante guerras, após desastres naturais de grande impacto, acidentes com grande número de mortos, e pandemias. Segundo a American Psychological Association, a crença em teorias conspiratórias surge do hábito humano de procurar e perceber padrões, assim como de receber e acreditar em informações que contemplem nossas necessidades por segurança e pertencimento. A partir de dados coletados entre 2006 e 2011, Oliver e Wood (2014) realizaram o primeiro grande estudo examinando a natureza do apoio às teorias de conspiração na população: os resultados da pesquisa mostraram que metade dos cidadãos norte-americanos acredita e defende ao menos uma teoria conspiratória.

Como citado acima, tempos conturbados constituem um ambiente ideal para a proliferação de diversas convicções. A internet – ao conectar pessoas distantes fisicamente, mas com pontos de vista aproximados – tornou-se um espaço de excelência para as teorias de conspiração. Sendo assim, poderia se imaginar que o uso ativo de redes sociais contribuiria com o aumento de tais teorias, assim como de uma maior quantidade de pessoas que acreditam nelas. Contudo, os dados apresentados no artigo “Conspiracy Theories and Institutional Trust: Examining the Role of Uncertainty Avoidance and Active Social Media Use” revelam como as redes sociais possuem o potencial de diminuir os efeitos detrimentais das teorias de conspiração, em especial no que se refere ao quanto os habitantes de um país confiam nas instituições governamentais.

O artigo, fruto de uma colaboração internacional, é de autoria de Silvia Mari (University of Milano-Bicocca, Itália), Homero Gil de Zúñiga (University of Salamanca, Espanha), Ahmet Suerdem (Istanbul Bilgi University, Turquia), Katja Hanke (University of Applied Management Studies, Alemanha), Gary Brown (Royal Holloway University of London, Inglaterra), Roosevelt Vilar (Massey University, Nova Zelândia), Diana Boer (University Koblenz-Landau, Alemanha) e Michael Bilewicz, da University of Warsaw, na Polônia. Os dados expostos no estudo fazem parte de um projeto maior e transcultural, o Digital Influence Project, que envolve 22 países de cinco continentes – mas, para os objetivos do estudo, 11 países foram selecionados, todos relativamente homogêneos culturalmente e majoritariamente cristãos. Ademais, todos os locais escolhidos apresentam uma alta uncertainty avoidance, ou seja, estas nações percebem situações menos conhecidas como desconfortáveis ou mesmo ameaçadoras, o que por sua vez pode ocasionar uma crença maior em teorias de conspiração, além de apresentarem uma conexão mais forte entre essas teorias e o nível de confiança institucional.

O texto busca sobretudo esclarecer como as formas ativas de uso das redes sociais promovem o engajamento político, consequentemente amenizando o impacto negativo que as teorias de conspiração podem causar na confiança institucional. O argumento apresentado pelo artigo contraria grande parte da literatura vigente, que classifica as redes sociais como propulsoras de temores e incertezas dos habitantes para com seus governantes. Mas, de acordo com os autores, o modo como as redes sociais são utilizadas é crucial para entender este argumento, visto que há uma diferença entre o uso passivo e ativo das redes: no primeiro, o usuário apenas consome conteúdo sem precisar interagir com outras pessoas, enquanto o segundo tipo envolve criar conteúdo – seja na forma de postagens ou de comentários – implicando, deste modo, em uma forma de interação social.

O texto analisa especificamente três motivos para o uso ativo das redes sociais: o motivo interacional, no qual os indivíduos utilizam tais canais para manter contato e comunicar-se com outros, tanto amigos e familiares quanto pessoas relevantes profissionalmente. Já o motivo informativo refere-se aos usuários que buscam se informar por meio das redes sociais, acompanhando as notícias através de sites e/ou aplicativos como Facebook, Instagram e Twitter.  Este tipo de uso ativo pode promover o motivo expressivo, o qual se refere ao compartilhamento de notícias ou de informações e opiniões relacionadas. Na hipótese dos autores, a população geral que utiliza a internet e as redes sociais de acordo com um dos motivos supracitados pode ter mais confiança nas instituições.

Este estudo destaca-se por analisar os efeitos detrimentais de teorias de conspiração, visto que pesquisas examinando as consequências destas teorias – em especial com foco na redução da confiança institucional – são escassas, em parte por causa da ideia predominante de que teorias de conspiração são “triviais e inofensivas” (p. 2). Todavia, o artigo ressalta que

Teorias de conspiração podem alimentar um clima de suspeita, o que pode destruir o capital social e contribui para um clima geral de desconfiança que permeia a sociedade em geral, afetando negativamente as convicções da opinião pública sobre as instituições políticas e governamentais. (p. 2).

Como a confiança nas instituições é fundamental para governos democráticos, este clima de suspeita impulsionado por teorias de conspiração coloca em perigo os sistemas de governo, as instituições e a própria democracia. Assim sendo, o texto explicita a importância de detectar as premissas de teorias de conspiração que podem prejudicar a confiança institucional, bem como identificar os mecanismos capazes de neutralizar o impacto negativo destas.

Os dados coletados pela pesquisa mostraram que, nos 11 países analisados, a crença em teorias de conspiração é bem difundida entre a população, mas as médias mais altas foram observadas nas democracias latino-americanas. Na Argentina e no Brasil, onde o estudo encontrou altos níveis de ideação por teorias conspiratórias, os efeitos negativos destas, que podem induzir desconfiança nas instituições políticas, são insignificantes quando o alvo for o governo representativo ou os sistemas de segurança. Os autores sugerem que esta descoberta pode ser explicada pela instabilidade política dos dois países, afetando a confiança nas instituições mais profundamente do que as teorias de conspiração.

Ademais, o estudo sugere que variáveis demográficas são relevantes para determinar o nível de confiança: homens mais velhos e de classes mais altas confiam mais nas instituições políticas do que mulheres jovens de baixa renda. Nas palavras dos autores, “quando as pessoas se sentem menos empoderadas ou ansiosas, elas podem desenvolver ou aceitar mais facilmente as teorias de conspiração” (p. 17).

Embora o artigo consiga explicar adequadamente os mecanismos que neutralizam o impacto das teorias conspiratórias (por meio dos tipos de uso ativo de redes sociais), o conceito de uncertainty avoidance, ainda que mencionado diversas vezes no texto, por constituir um dos objetivos principais do trabalho, é pouco esclarecido, além de que os dados da pesquisa mostraram como esse sentimento afeta a desconfiança institucional de maneira limitada. Contudo, o estudo elucidou como as teorias de conspiração operam e se popularizam (especialmente em tempos conturbados, como exposto anteriormente) e a maneira como as redes sociais podem diminuir os impactos delas, ao promover o debate e engajamento político. Ainda que de forma breve, o artigo recomenda os caminhos a serem seguidos para aprofundar tal tema de pesquisa, como o foco em os tipos de uso de redes sociais (ativo e passivo) e seus motivos (interacional, motivacional e expressivo), bem como o exame de níveis de confiança governamental a partir das teorias de conspiração que surgem em determinada sociedade.

REFERÊNCIA PRINCIPAL: 

MARI et al. Conspiracy Theories and Institutional Trust: Examining the Role of Uncertainty Avoidance and Active Social Media Use. Political Psychology, v. 0, n. 0, mai. 2021.

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

ABRAMS, Zara. What do we know about conspiracy theories? American Psychological Association, 2020.

REID, Scott A. Conspiracy Theory. Encyclopaedia Britannica, 2021.

OLIVER, J.E; WOOD, T. J. Conspiracy Theories and the Paranoid Style(s) of Mass Opinion. American Journal of Political Science, v. 58, n. 4, p. 952-966, mar. 2014.

* Joana Zuqui é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná e pesquisadora do PONTE – UFPR.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

Back To Top
Search