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O jornalismo como processo social: uma discussão ancorada no artigo “Gatekeeping in Action: Editorial Conferences and Assessments of Newsworthiness”

Por Rafaela Sinderski*

Publicado em 1998 na American Sociological Association, o artigo “Gatekeeping in Action: Editorial Conferences and Assessments of Newsworthiness” busca verificar como jornalistas, mais especificamente editores, determinam, durante suas reuniões editoriais, quais histórias aparecerão na primeira página de um jornal impresso. Os autores Steven E. Clayman e Ann Reisner prestam atenção nas práticas que envolvem essa decisão e nas expressões verbais utilizadas para avaliar as notícias candidatas a ocupar o espaço de destaque na publicação jornalística.

Essa abordagem visa discutir a atuação dos editores como gatekeepers em sua rotina de escolher o que é privilegiado enquanto informação, mas sem debater quais são os critérios de noticiabilidade considerados por esses profissionais. Na verdade, os pesquisadores argumentam que os estudos voltados para o processo de gatekeeping são majoritariamente focados no trabalho dos repórteres e em como eles decidem o que deve ser reportado, considerando os valores-notícia. Com isso, afirmam, perde-se tanto o papel dos editores nessa dinâmica quanto os atributos sociais que estão incutidos nessas escolhas. É nesses dois pontos que o texto se concentra.

O aporte teórico apresentado se relaciona, então, com os estudos sobre gatekeeping, usando Kurt Lewin (1947) para apresentar a base sociológica da discussão. O fato de David Manning White e sua famosa pesquisa “The gatekeeper: a case study in the selection of News” (1950) receberem tênues menções no texto pode ter a ver com a área na qual o estudo foi publicado, que é a Sociologia, não o Jornalismo. Isso também pode justificar o motivo pelo qual muitos dos estudos sobre instituições jornalísticas foram relegados a uma nota de rodapé. Ao atentar para esses elementos, é possível entender de quais pontos de vista o tema principal é abordado.

Na seção teórica, os pesquisadores também apontam, como já dito, para os problemas que marcam os estudos sobre gatekeepers que gravitam em torno dos critérios noticiosos. Essas críticas levam a um dos pontos mais interessantes da pesquisa: a recusa de que o jornalismo seria uma atividade “puramente intelectual”, baseada em padrões pré-determinados e objetivos de noticiabilidade. O que defendem é que o gatekeeping é, na verdade, um “processo social”.

Essa ideia abre espaço para a análise empírica do artigo. Clayman e Reisner propõem analisar o “gatekeeping jornalístico em ação” com gravações de conferências editoriais realizadas em 1989, em jornais estadunidenses de grande e pequeno porte, famosos e menos conhecidos. Contudo, a análise de fato se concentra em dez reuniões – cinco de um jornal maior e outras cinco de outras organizações. A metodologia é o que os autores chamam de “análise de conversação”. Porém, não há explicações sobre como foi sua aplicação e quais são suas etapas, parecendo, em alguns momentos, que se trata de uma descrição de partes das reuniões estudadas. No apêndice da publicação, há alguma explicação sobre elementos importantes que fazem parte das conversas, como pausas e entonações, mas eles não parecem ter grande papel na análise, que está centrada em identificar a ordem de apresentação das notícias pelos editores e as palavras usadas para avaliá-las.

Além disso, o corpus de pesquisa não parece ser representativo, já que 50% dele vem de uma única organização noticiosa. Os próprios autores dizem que os dados são menos do que ideais, lembrando que as gravações não capturam características e nuances das conversações que também têm relevância no processo de socialização, como expressões faciais, por exemplo. Mas, depois de apontar o problema, eles não apresentaram uma solução ou defesa do trabalho. Acabam por não justificar a razão pela qual, apesar dessas fragilidades, a pesquisa ainda se sustentaria.

Os principais achados do artigo mostram que tanto a ordem em que os editores apresentam suas notícias na reunião quanto a intensidade das avaliações que as histórias recebem importam para determinar as chances de um material conquistar a primeira página de um jornal. Essa última constatação não traz grandes novidades, já que é bastante intuitivo pensar que uma história avaliada como “muito boa” tem mais chances de ser capa de uma edição do que outra avaliada como “muito ruim”.

O que é, de fato, interessante nos resultados está conectado às relações entre profissionais dentro das redações: os autores afirmam que editores “vendem” suas histórias aos colegas e ao editor-chefe, ressaltando seus valores noticiosos e atuando como defensores de seus repórteres. Com isso, as avaliações levemente favoráveis seriam as mais comuns, enquanto as fortemente favoráveis e desfavoráveis seriam mais raras. Quando dispensam o valor de uma história, os editores tendem a fazê-lo de maneira mais sutil e indireta, colocando como um ponto de vista pessoal, não como uma constatação acerca da qualidade do material. Toda essa dinâmica seria uma forma de manter bons relacionamentos, mostrando que o processo de gatekeeping está permeado por questões subjetivas e não limitado por padrões jornalísticos normativos, idealizados. Isso remete a uma discussão que pode ser encontrada em outros textos, como “Journalists and Editors: Political Proximity as Determinant of Career and Autonomy” (2019), de Andrea Ceron, Sergio Splendore, Thomas Hanitzsch e Neil Thurman, que também revela a subjetividade no cotidiano da atividade jornalística.

A última crítica a ser feita em relação ao artigo diz respeito, justamente, à interessante discussão sobre os relacionamentos entre editores e repórteres: com o banco de dados da pesquisa e com a metodologia aplicada, de análise de conversações, é difícil sustentar as conclusões apresentadas – de que as escolhas feitas pelos profissionais na construção de seus discursos estariam ligadas à intenção de preservar relações. Para apoiar essas inferências em bases mais sólidas, Clayman e Reisner poderiam ter complementado o trabalho com entrevistas. Ainda assim, apesar dessas lacunas, a pesquisa desafia a ideia de um jornalismo essencialmente objetivo, contribuindo para a discussão sobre as subjetividades e sociabilidades que marcam a prática jornalística.

REFERÊNCIA PRINCIPAL

CLAYMAN, S. E.; REISNER, A. Gatekeeping in action: editorial conferences and assessments of newsworthiness. American Sociological Review, v. 63, n. 2, p. 178-199, 1998.

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

CERON et al. Journalists and Editors: Political Proximity as Determinant of Career and Autonomy. The International Journal of Press/Politics, p. 1-21, 2019.

WHITE, D. M. The Gatekeeper: A Case Study in the Selection of News. Journalism Quarterly, v. 27, p. 383-90, 1950.

* Rafaela Sinderski é jornalista, mestre em Comunicação e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Desde 2018, é integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP). Pesquisa conflitos políticos, mídia e eleições, conversações políticas em redes sociais on-line e opinião pública. E-mail: rafaelasinderski@gmail.com.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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