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As questões de gênero na exclusão digital

Por Paulo Ferracioli*

Entre os diversos fatores que influenciam o acesso à Internet, o gênero já foi apontado como uma das características que delimitam essa desigualdade, ao lado de idade, nível de escolaridade e outras. O verbete Digital Divide, escrito pelos integrantes do PONTE Francisco Paulo Jamil Marques, Michele Goulart Massuchin e Isabele Mitozo, contudo, traz um novo foco para a discussão sobre gênero: como o uso desigual dos recursos digitais fortalece disparidades de gênero. O gênero, portanto, pode ser tanto uma variável independente quanto dependente nas pesquisas de comunicação que buscam investigar de maneira mais detalhada as diferenças de acesso aos meios de comunicação digital entre a população.

O texto inicia por trazer uma apresentação de como o conceito de exclusão digital foi concebido para debater o acesso da população a novas mídias em regiões geográficas distintas. Moradores de países pobres não usufruem desse acesso da mesma maneira que os habitantes das nações desenvolvidas, o que implica que os achados sobre utilização dessas ferramentas pelos usuários não podem ser padronizados entre países sem prestar atenção a esse fosso.

O desenrolar dos estudos da área demonstrou que questões culturais também são elementos-chave nessa exclusão digital, o que leva o verbete a se concentrar naquele que é seu tema específico, a exclusão digital em relação ao gênero. Essa forma de sistematização é muito interessante para uma enciclopédia como a que esse texto compõe, a The International Encyclopedia of Gender, Media, and Communication, estilo de publicação cujo intuito é apresentar verbetes sobre temas que resumem os principais pontos e indicam referências para aprofundamento.

Mesmo considerando pontos em que a literatura sempre tem apontado as disparidades no uso de tecnologias, como a idade, o gênero é um ponto a mais a aprofundar a já existente divisão. Assim, mulheres mais velhas são ainda mais excluídas do acesso à Internet do que homens mais velhos, por exemplo. A mesma lógica, aponta o verbete, deve ocorrer para a origem étnica dos usuários: a exclusão é mais marcante naqueles que vêm de famílias negras ou latinas do a que se percebe entre brancos.

O artigo não deixa de apresentar a corrente de pesquisadores que apontam que essa exclusão digital é um problema de curta duração, que será resolvido por meio da ampliação dos pontos de acesso (como o uso massificado de smartphones) e do fortalecimento das redes de Internet (por meio do 5G, por exemplo). Não é esse, contudo, o foco do verbete, que se preocupa em destacar as implicações dessa exclusão para essa camada da população.

Caso tenham acesso a esse tipo de mídia, esses grupos podem se manifestar de uma maneira que não é possível nos meios de comunicação tradicional: há a possibilidade do anonimato, as vantagens de criar espaços para denunciar abusos e até mesmo o ganho em integrar uma comunidade na qual podem compartilhar seus gostos e experiências e assim construir sua identidade. Se eles estão excluídos, entretanto, não há como usufruir integralmente desse acesso, o que reforça a importância de sanar essa exclusão.

Os autores concluem por apresentar de maneira sistematizada que as diferenças de acesso aos meios digitais podem impactar na discriminação de gênero por quatro razões diferentes. A primeira está relacionada ao papel que as redes sociais têm para apresentar ao mundo diferentes visões sobre o universo LGBTQI, o que ajuda a diminuir o preconceito que a população ainda pode apresentar perante essa comunidade. Além disso, mulheres tendem a possuir menos computadores e outros aparelhos tecnológicos em comparação com homens, além de estarem em menor número nos cursos de graduação e pós-graduação da área, o que só contribui para a permanência dessa exclusão digital.

O terceiro aspecto através do qual se pode relacionar exclusão digital e gênero tem a ver com a perseguição em ambientes online. Pessoas do grupo LGBTQI, em especial jovens, estão muito mais sujeitos a sofrerem assédio de indivíduos que atacam minorias. Por fim, a exclusão digital pode levar com que esses mesmos grupos minoritários tenham dificuldade de procurar os assuntos que lhe são de interesse, em especial no que diz respeito à saúde. Não contar com informação precisa e de qualidade pode ter repercussões graves, o que é ressaltado ainda mais pela exclusão digital.

Os autores do verbete aproveitam também para enfatizar que não é razoável esperar que todas as dificuldades de acesso a essas novas tecnologias será resolvida de uma única vez e tampouco imaginar que basta proporcionar acesso universal à Internet que haverá o fim das disparidades de gênero. Integrar minorias no convívio democrático exige que pensemos em soluções possíveis e que estão ao alcance, porque a demora em agir só aprofunda as desigualdades.

REFERÊNCIA:

MARQUES, Francisco Paulo Jamil; MASSUCHIN, Michele Goulart; MITOZO, Isabele. Digital Divide. In: Karen Ross; Ingrid Bachmann; Valentina Cardo; Sujata Moorti; Marco Scarcelli. (Org.). The International Encyclopedia of Gender, Media, and Communication. 1ed. London: Wiley, p. 1-7, 2020.

* Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Comunicação pela mesma instituição. Jornalista e advogado. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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