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Comparando opinião e informação: a imprensa como agente interessado no debate sobre reforma política

Por Camila Mont’Alverne*

A separação entre opinião e informação é um debate recorrente nos estudos e avaliações sobre o desempenho das organizações noticiosas, dado que se trata de um dos elementos fundamentais do jornalismo comercial (pelo menos, alegadamente). Em um contexto no qual as empresas jornalísticas são frequentemente acusadas de favorecer determinados partidos ou correntes ideológicas e opinam sobre os grandes acontecimentos políticos e sociais (vide o impeachment de Dilma Rousseff ou a crise causada pela pandemia de COVID-19), há um terreno fértil para questionar o respeito ao muro entre editoriais e notícias.

Partindo desta problemática, minha tese, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná em março de 2020, investiga como o Jornalismo brasileiro tem abordado a reforma política após a promulgação da Constituição de 1988. O assunto foi escolhido pelo fato de reformas políticas serem constantemente aventadas como solução para diferentes déficits identificados na democracia brasileira, sem consenso sobre quais pontos do sistema político ou eleitoral deveriam ser alterados. Por um lado, as discordâncias do campo político acerca das propostas remetem à defesa dos próprios interesses dos agentes. Por outro, fatores externos (a exemplo da cobertura jornalística) influenciam suas decisões e posicionamentos. Além disso, os partidos políticos não têm decisões consensuais sobre quais aspectos desejam mudar, constituindo uma oportunidade de observar o comportamento do jornalismo em um tema no qual o alinhamento político não é evidente.

O objetivo, portanto, foi analisar se, e em que medida, os jornais Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo se comportaram como agentes interessados nas reformas políticas debatidas no Brasil desde 1989 até 2017 e avaliar como se desenrola a cobertura noticiosa e editorial sobre a temática ao longo do período. Para isso, foi realizada uma Análise de Conteúdo de 1670 editoriais, notícias e reportagens, que abordassem reforma política, publicados pelos três periódicos ao longo deste intervalo. A AC procura identificar e entender as pautas consideradas prioritárias pelas empresas e a forma pela qual discussões sobre as diferentes propostas de reforma foram abordadas pelos periódicos, por meio de um modelo desenhado para aferir a atuação política da empresa jornalística, comparando as seções noticiosa e editorial, bem como trazendo uma investigação comparativa entre os periódicos. 

As principais hipóteses da pesquisa são: 1) Os periódicos comportam-se como agentes políticos, apoiando propostas específicas de reforma política, sem consideráveis alterações acerca da agenda defendida ao longo do período analisado; 2) As agendas e os enquadramentos mobilizados na seção noticiosa e em editoriais são semelhantes dentro do mesmo jornal, indicando que eles legitimam as propostas de reforma defendidas em todo o produto jornalístico.

Os resultados indicam certo grau de sobreposição entre os editoriais e a seção informativa, mas não o suficiente para afirmar que haja uma editorialização do conteúdo noticioso dos periódicos. Nem sempre há associação entre os dois gêneros e os temas e enquadramentos acionados, apontando algum grau de separação entre as duas seções, algo que também é encontrado por outros estudos que comparam opinião e informação na América Latina e na Europa.

Os temas mais acionados pelos periódicos são financiamento de campanha, sistema eleitoral, regras eleitorais e coligações, enquanto os principais problemas elencados estão associados ao sistema partidário e às campanhas eleitorais: fragmentação partidária e financiamento de campanha. As soluções mais frequentemente defendidas nos editoriais são a adoção da cláusula de barreira e o fim das coligações em eleições proporcionais, evidenciando o foco em reformas atreladas à dimensão eleitoral, além de saídas defendidas individualmente pelos periódicos, compondo sua própria agenda de interesses.

Ao considerar apenas os editoriais, procurei observar mais diretamente o alinhamento político das publicações, catalogando as propostas de partidos políticos que foram endossadas ou rechaçadas. Neste ponto, algumas diferenças entre elas se tornam mais evidentes: FSP é o único jornal que não apoiou propostas específicas de nenhum partido político, embora, no geral, haja baixíssima quantidade de endossos (OG endossa proposições do PSDB, enquanto OESP endossa iniciativas dos tucanos e do DEM). Também há pouca diversidade entre as propostas de partidos políticos que foram endossadas. Elas estão concentradas em alterações incrementais ao sistema político, como fim das coligações em eleições proporcionais e a adoção da cláusula de barreira.

Em relação aos partidos rechaçados, há um número consideravelmente maior de posicionamentos por parte dos periódicos. Apesar de os rechaços atingirem partidos de espectros ideológicos distintos, o PT é a agremiação com mais propostas criticadas pelos periódicos, seguido pelo MDB. Os desacordos ideológicos entre o partido e os periódicos podem ser parte da explicação para o rechaço a propostas do PT. Ao mesmo tempo, deve-se considerar que o PT ensaiou, enquanto ocupou a Presidência da República, implementar alterações de grande magnitude no sistema político brasileiro, inclusive aventando convocar uma nova Assembleia Constituinte. Se FSP, OG e OESP são apegados à estabilidade e à manutenção da ordem constitucional vigente, conforme expressam em seus manuais de redação, era de se esperar que se opusessem a medidas que acarretem alterações significativas – embora não se registre oposição consistente a mudanças como a implantação do mecanismo de reeleição para o Executivo durante o governo FHC, indicando uma alteração no padrão da cobertura. 

Em geral, os resultados apontam que a atuação política de FSP, OG e OESP não estão alinhadas diretamente a compromissos políticos partidários nem que haja editorialização da cobertura – embora a pluralidade dela seja um problema, considerando a convergência de agendas e soluções apresentadas. Quanto à atuação política, ela se manifesta como um comportamento adversário em relação ao campo político de maneira geral, indicando a constituição do campo jornalístico como instituições independentes e portadoras de objetivos próprios.

REFERÊNCIA

MONT’ALVERNE, Camila. A imprensa como agente interessado na reforma política: um estudo sobre a cobertura noticiosa e editorial de Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo (1989-2017). Tese (Doutorado em Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2020.

*Camila Mont’Alverne é pesquisadora de pós-doutorado no Reuters Institute for the Study of Journalism, na Universidade de Oxford, trabalhando no projeto Confiança nas Notícias. Ela é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná, onde é pesquisadora vinculada ao Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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