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Participação política online: Debates com características diversas se desenvolvem sob as mesmas estruturas de design?

Por Andressa Butture Kniess*

No texto Context Matters! Looking Beyond Platform Structure to Understand Citizen Deliberation on Brazil’s Portal e-Democracia, os pesquisadores Isabele Mitozo e Jamil Marques investigam como os cidadãos participam das discussões promovidas pelo Portal e-Democracia – ferramenta de participação política digital lançada em 2009 pela Câmara dos Deputados.

Mais especificamente, os autores promovem uma Análise de Conteúdo das participações hospedadas em quatro diferentes fóruns: o primeiro é referente ao projeto de lei de Diretrizes Orçamentárias de 2013; o segundo ao Orçamento Anual de 2013; e os dois últimos fóruns tratam da reforma política, um realizado em 2013 e outro em 2015.

Na seção teórica, Mitozo e Marques (2019) explicam que a literatura sobre participação política online tem destacado a importância do design das ferramentas para a realização dos debates. Dessa forma, muitos trabalhos se dedicam a comparar discussões políticas promovidas em plataformas com estruturas distintas.

No entanto, a hipótese dos autores é de que debates com características diversas se desenvolvem também sob as mesmas estruturas de design. E para testá-la, o trabalho reflete sobre sete categorias de análise, sendo quatro relacionadas à estrutura do Portal – identificação (1), liberdade de discurso (2), agenda (3) e moderação (4) – e três referentes ao conteúdo das mensagens – justificação (5), reciprocidade (6) e respeito (7).

(1)     Identificação: necessidade de identificação do usuário;

(2)     Liberdade de discurso: limites e restrições à participação, a exemplo do número máximo de postagens por usuário;

(3)     Agenda: definição dos temas discutidos na plataforma;

(4)     Moderação: pode organizar o debate e evitar mensagens desrespeitosas, mas também pode ser utilizada para censurar determinadas ideias;

(5)     Justificação: mensagens nas quais os usuários apresentam explicações que respaldam suas opiniões;

(6)     Reciprocidade: ocorre quando os participantes respondem a mensagens anteriores, considerando, portanto, as perspectivas dos outros usuários da plataforma;

(7)     Respeito: ocorre quando os participantes tratam os demais usuários educadamente.

Os autores começam apresentando os resultados das categorias de análise referentes às características do Portal e-Democracia: a) a identificação é obrigatória no portal, mas os participantes não precisam utilizar seus nomes reais em todos os fóruns (mesmo assim, a maior parte dos usuários o faz nos quatro fóruns estudados); b) no que se refere à liberdade de discurso, não há limitações às mensagens dos usuários; c) a agenda de discussões é definida somente por agentes institucionais, ou seja, os participantes não podem iniciar um debate; e d) a moderação intervém nas mensagens somente quando há publicação de conteúdo ilegal, ofensas a direitos humanos e termos vulgares.

E mesmo que os quatro fóruns sejam muito semelhantes (a categoria “identificação” é a única que pode mudar de fórum para fórum), as características dos debates são, de fato, distintas. Em mais da metade das mensagens de todos os fóruns estudados há presença de justificação. Contudo, as discussões sobre a reforma política apresentam maiores porcentagens dessa categoria: enquanto no fórum de 2015 as mensagens com justificação compreendem 76,5%, esse número chega a 81,3% no debate de 2013. E os resultados sobre a reciprocidade são ainda mais divergentes. Somente 26% das mensagens hospedadas no fórum de Diretrizes Orçamentárias de 2013 respondem aos demais participantes, ou seja, a maior parte dos usuários não tinha a intenção de debater, mas somente de expressar suas opiniões sobre o tema.

Em contrapartida, a reciprocidade está presente em mais de 85% das mensagens enviadas ao debate de 2013 sobre a reforma política. Por fim, no que se refere ao respeito, as discussões analisadas foram semelhantes: a categoria está presente em mais de 98% de todas mensagens.

Em outras palavras, Mitozo e Marques (2019) confirmam a hipótese de trabalho proposta: os debates políticos apresentam características diversas mesmo quando ocorrem sob estruturas de design equivalentes. Contudo, é importante destacar que a intenção do texto não é minimizar a relevância das plataformas. O design é, de fato, importante. Mas não é a única variável que interfere nas características de uma iniciativa de democracia digital. O que os autores demonstram é que estruturas adequadas não necessariamente garantem a qualidade das discussões políticas.

E a relevância do trabalho está justamente em mostrar ao leitor a complexidade que envolve o tema da participação política digital. Assim como o design importa, os trabalhos da área precisam também investigar as características dos participantes, a recorrência com a qual os temas discutidos estão presentes ou não no dia-a-dia dos cidadãos, o contexto político e social no qual estão inseridos, entre tantas outras variáveis.

REFERÊNCIA

MITOZO, I.; MARQUES, F. P. J. Context Matters! Looking Beyond Platform Structure to Understand Citizen Deliberation on Brazil’s Portal e-Democracia. Policy and Internet, v. 11, p. 370-390, 2019.

* Andressa Butture Kniess é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPR, com bolsa de pesquisa concedida pela Capes. Bacharela em Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política pela mesma universidade. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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