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ENSAIO: Sobre os estudos em Democracia Digital e suas ênfases

 

 

Este breve ensaio procura mapear os diferentes ângulos de investigação que marcam os estudos ligados à área de Democracia Digital.

 

Sabe-se que não é de hoje que as investigações relacionadas à comunicação online têm ocupado um espaço privilegiado na agenda da especialidade que envolve Mídia e Política. Prova disso é que a literatura nacional e internacional se mostra cada vez mais atenta às diferentes “fases” pelas quais costumam passar os processos de apropriação política dos recursos e ferramentas online.

 

Nesse sentido, assim como ocorreu no caso de plataformas midiáticas “tradicionais” (a exemplo da televisão e do rádio), a abordagem concernente às manifestações políticas nas redes digitais compreende, de maneira geral, os seguintes momentos: de início, verificam-se interpretações especulativas, nas quais é percebido um embate teórico-ensaístico acerca das potencialidades e limites de novas ferramentas ou plataformas; em seguida, encontram espaço os testes descritivos, aqueles em que os pesquisadores se dedicam a inventariar as ferramentas utilizadas, cotejando o quanto daquilo que foi prometido tem sido efetivamente aplicado; e, por último, ganham lugar as investigações que se debruçam sobre os efeitos, isto é, que enfatizam os meios e modos pelos quais a comunicação digital consegue influenciar, por exemplo, o processo de produção das decisões políticas. A pergunta clássica dos trabalhos nesse terceiro estágio é: “noves fora as disputas entre pessimistas e otimistas, ou o checklist das ferramentas com as quais cada iniciativa conta, o que, de fato, podemos afirmar como transformação oriunda das práticas de comunicação digital?”.

 

A esta altura, quando os trabalhos na área de e-Democracia já completam mais de duas décadas de existência, é curioso notar que tal lógica de desenvolvimento das pesquisas se repete a cada novo advento técnico. Pode-se ilustrar tal afirmação ao constatarmos que as investigações sobre redes sociais digitais (como Twitter ou Facebook) permitem testemunhar o mesmo raciocínio que vai da especulação à querela acerca dos efeitos.

 

Acreditamos, contudo, que essa forma de enxergar os estudos em Democracia Digital consiste em apenas uma das clivagens possíveis ao tratarmos dos temas associados a tal especialidade. Assim, se podemos apontar fases e posturas dos pesquisadores quanto ao desenvolvimento dos recursos de comunicação digital, considera-se fundamental, a fim de reconhecer a maturidade do campo de estudos em tela, reconhecer a existência de, pelo menos, quatro dimensões distintas relativas às práticas políticas online. Cada uma delas enceta uma frente singular de livros, artigos e trabalhos de conclusão de curso (de graduação, mestrado ou doutorado). As variantes temáticas dos projetos mais recentes se dedicam a examinar: (1) o perfil dos agentes político-sociais; (2) os valores e princípios democráticos enfatizados em cada iniciativa; (3) a natureza das ferramentas tecnológicas empregadas nos projetos de e-Democracia; (4) o cenário e a conjuntura política nos quais os recursos mencionados têm sido utilizados. Exploremos cada item.

 

Quanto à primeira dimensão, registre-se a multiplicidade de agentes políticos que já há algum tempo integraram os recursos de comunicação digital a seu leque de instrumentos de construção de imagem pública: partidos políticos, detentores de cargos eletivos, candidatos, personalidades e cidadãos comuns, bem como instituições estatais e, naturalmente, organizações da sociedade civil (a exemplo de sindicatos e movimentos ambientalistas). Cada um desses atores utiliza os media digitais de formas distintas, uma vez que os interesses e as estratégias de comunicação por eles planejadas demandam uma postura peculiar junto a seus pares e ao público. Assim, uma fanpage no Facebook de órgão estatal, por exemplo, provavelmente contará com uma administração profissionalizada e tenderá a divulgar prioritariamente conteúdos relevantes ao debate ou ao interesse público. Já o perfil de um candidato ou de uma personalidade do mundo político, por sua vez, pode tratar de questões políticas e também de questões pessoais, sendo gerenciada pela própria pessoa a quem pertence o perfil.

 

Um segundo modo de classificar tais estudos consiste em examinar em qual princípio democrático o pesquisador ou pesquisadora baseia seu esforço analítico: a preocupação central do trabalho se vincula à participação, à transparência ou à luta por direitos, liberdades e reconhecimento? A depender da escolha, o arsenal teórico e metodológico mobilizado para abordar iniciativas que visam incrementar a participação requer uma configuração distinta daquela que marca as pesquisas sobre transparência.

 

A terceira dimensão aponta que a comunicação política digital engloba ferramentas tecnológicas diversas (estruturas midiáticas com formatos peculiares), demandando, assim, arquiteturas analíticas singulares para cada plataforma, sejam elas sites, blogs ou redes sociais – Facebook, Twitter, Whatsapp, Instagram, dentre outras. Dito de outra forma, ao estabelecer um recorte de pesquisa, é necessário compreender que não há como comparar a atuação e o engajamento proposto por meio de sites, por exemplo, com a atuação e o engajamento verificados em uma rede como o Twitter. As ferramentas digitais oferecem recursos distintos e proporcionam efeitos e experiências também distintas, o que não pode ser ignorado pelo investigador.

 

Por fim, as formas de entender os acontecimentos que envolvem a comunicação política digital implicam considerar a conjuntura ou o cenário político no qual o objeto pretendido se manifesta. Em um período de eleições, então, as estratégias de comunicação são diferentes daquelas utilizadas em períodos de mandato ou de crise política. Isto é, as formas de interagir com a audiência resultam em tipologias distintas no que se refere, por exemplo, à grade analítica que o trabalho pretende utilizar.

 

O mapeamento acima delineado nos permite enxergar a pluralidade de “portas” existentes quando tratamos da agenda de estudos em democracia online, servindo de orientação ao estudioso que pretende se aprofundar no tema. Argumenta-se que, ao fazer um recorte de pesquisa em comunicação política digital, o pesquisador deve levar em conta quais aspectos pertinentes a cada uma destas dimensões pretende contemplar. Isso facilitará providências a exemplo da busca pela literatura adequada, do mapeamento dos métodos e técnicas mais apropriados e, finalmente, ampliará as chances de que a investigação desenvolvida adote uma postura madura (afastando-se de conclusões generalizantes, por exemplo).

 

AUTORES:

Jamil Marques – Professor da UFPR. Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Integrante do Comitê Gestor do Instituto Nacional em Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD).

 

 Andressa Kniess – Pesquisadora de Mestrado vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPR. Bolsista CAPES. Integrante do Instituto Nacional em Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD).

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